domingo, 16 de dezembro de 2012

NOITE- poesias


A noite 
Mas a noite ventosa, a noite límpida 
que a lembrança somente aflorava, está longe, 
é uma lembrança. Perdura uma calma de espanto, 
feita também ela de folhas e de nada. Desse tempo 
mais distante que as recordações apenas resta 
um vago recordar. 

                   As vezes volta à luz do dia, 
na imóvel luz dos dias de Verão, 
aquele espanto remoto. 

                               Pela janela vazia 
o menino olhava a noite nas colinas 
frescas e negras, e espantava-se de as ver assim tão juntas: 
vaga e límpida imobilidade. Entre a folhagem 
que sussurrava na escuridão, apareciam as colinas 
onde todas as coisas do dia, as ladeiras 
e as árvores e os vinhedos, eram nítidas e mortas 
e a vida era outra, de vento, de céu, 
e de folhas e de coisa nenhuma. 

                                        Às vezes regressa 
na imóvel calma do dia a recordação 
daquele viver absorto, na luz assombrada. 

Cesare Pavese, in 'Trabalhar Cansa' 
Tradução de Carlos Leite

TrevasDe dia não se via nada, mas p'la tardinha já se apercebia gente que vinha de punhaes na mão, devagar, silenciosamente, nascendo dos pinheiros e morrendo nelles. E os punhaes não brilhavam: eram luzes distantes, eram guias de lençoes de linho escorridos de hombros franzinos. E a briza que vinha dava gestos de azas vencidas aos lençoes de linho, azas brancas de garças caídas por faunos caçadores. E o vento segredava por entre os pinheiros os mêdos que nasciam. 

E vinha vindo a Noite por entre os pinheiros, e vinha descalça com pés de surdina por môr do barulho, de braços estendidos p'ra não topar com os troncos; e vinha vindo a noite céguinha como a lanterna que lhe pendia da cinta. E vinha a sonhar. As sombras ao vê-la esconderam os punhaes nos peitos vazios. 

A lua é uma laranja d'oiro num prato azul do Egypto com perolas desirmanadas. E as silhuetas negras dos pinheiros embaloiçados na briza eram um bailado de estatuas de sonho em vitraes azues. Mãos ladras de sombra leváram a laranja, e o prato enlutou-se. 

Por entre os pinheiros esgalgados, por entre os pinheiros entristecidos, havia gemidos da briza dos tumulos, havia surdinas de gritos distantes - e distantes os ouviam os pinheiros esgalgados, os pinheiros gigantes. 

A briza fez-se gritos de pavões perseguidos. E as sombras em danças macabras fugiam fumo dos pinheiraes p'lo meu respirar. 

Escondidas todas por detraz de todos os pinheiros, chocam-se nos ares os punhaes acêsos. Faz-se a fogueira e as bruxas em roda rezam a gritar ladainhas da Morte. Veem mais bruxas, trazem alfanges e um caixão. Doem-me os cabellos, fecham-se-me os olhos e quatro anjos levam-me a alma... Mas a cigarra em algazarra de alêm do monte vem dizer-me que tudo dorme em silencio na escuridão. 

Veiu a manha e foi como de dia: não se via nada. 

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'

Adorável Noite
da autora 
Carla Carcass
Adorável é a Noite... Tem vezes que não sei
Mas parece que os dias custam a passar
E eu fico aqui a esperar
A hora em que o sol se apagará
Para finalmente minha adorável noite poder chegar
E consolar minha eterna solidão
Bela e eterna como a escuridão
Corre pela noite um ar de mistério
Talvez seja este mistério que a faz ser sempre adorável
Mas poucos são os que conseguem
Apreciar o encanto que a noite trás
Capaz de consolar aqueles que não possuem mais paz
Por isso, adorável é a noite
Que ouve o apelo da solidão
E, demasiado é o dia Que devora-nos com sua multidão

Adorável Noite
do autor
Rafael de Araujo Silva
Seduzido pelo piores instintos
Noite pálida, em pétalas mórbidas, desabrocha em um olhar
Monstros são como crianças
Sombras podem assustar
Desbravar matas sombrias é uma sina
Querendo em fulminantes olhares matar
Senhor dos meus lares
Traga-me das flores a dor dos espinhos
E leve daqui tamanha solidão
Vinho tinto pulsa em um coração
Seduzido e envolvido pelas sombras
que o assombra Meu medo no lixo
Entregue aos restos mortais em decomposição
Sepultado em lápide fria
Onde as flores pálidas já não enfeitam
E murcham aos gritos de maldição
Adorando a noite
Noite adorável em véus sem cores
Absorvendo o açoite
Como um ladrão de almas
Adora o sangue pagão
Inspira a alma rude que se transforma
Doente de amor e uivando sozinha para o infinito
Implorando por carinho
Aos que queiram domesticar esses lobos famintos
Aos que se deixam viciar em cada parte destes corpos corrompidos
Querendo o beijo prometido em doses intermináveis de desejo e amor perdido
Assim imaginam passar o resto das vidas do outro lado
Aquele lado aliado ao que é profano ao coração sagrado
Amaldiçoados pelos pecados que de estranhos olhos converge
Sonolentamente sóbrios que tais olhos pela eternidade se fechem.


Espalha no vento soturno textos qual crias gélidas

Crianças chorosas com a fome do próprio néctar que as consomem

Olhos rápidos tateiam no escuro
letras corridas e histórias sofridas

Mostram a vida que se tem na Noite 
encontram contos que se diluem

Separados entram na prosa da PoeZineira da Noite Adorável. 

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